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Poder Legislativo deve agir contra as ameaças do Fisco

Não têm sido poucas as ameaças da Receita Federal aos contribuintes nesse ano de 2013

 Não têm sido poucas as ameaças da Receita Federal aos contribuintes nesse ano de 2013. A uma delas dedicamos duas colunas (Parecer da PGFN representa risco de extorsão tributária e Instrução Normativa da Receita abala segurança jurídica). Tratava-se da pretensão de tributar sem base legal e retroativamente os dividendos distribuídos entre 2008 e 2013, na porção que excedesse o “lucro fiscal”, com fundamento na Instrução Normativa 1.397, de 16 de setembro de 2013 (IN 1.397/2013).

 
Parece que tão arbitrária e ilegal pretensão foi momentaneamente contida, como noticiou a imprensa especializada[1]. Mas o momentâneo recuo da Receita Federal só ocorreu em razão da mobilização de diversos setores da sociedade e pela demonstração de autoridade do Poder Legislativo.
 
Sim, o deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR) exerceu corajosamente seu munus parlamentar e apresentou o projeto de Decreto-legislativo 1.296 que determina seja imediatamente sustada a aplicação da IN 1.397/2013.
 
O projeto foi acompanhado de uma elucidativa justificação, que colheu os fundamentos jurídicos em manifestações de especialistas, algumas veiculadas nesta ConJur, nominalmente citada, a saber:
 
“No entanto, de forma surpreendente, a Secretaria da Receita Federal do Brasil editou em 16/9/2013 a Instrução Normativa nº 1.397, que manteve o RTT, criou obrigações acessórias e inovou no ordenamento jurídico, trazendo novas interpretações relativas ao regime “transitório”. (....)
 
Ainda mais grave são as disposições que extrapolam a competência infra-legal e regulamentar a que o veículo normativo adotado pela SRF – uma instrução normativa – está submetido.
 
A IN 1.397 busca limitar a isenção a dividendos – prevista expressamente na Lei 9.249/95 – estabelecendo que dividendos isentos sejam apenas aqueles calculados com base nas normas contábeis existentes em 31 de dezembro de 2007. Do mesmo modo busca-se alterar as regras que disciplinam o pagamento de juros sobre capital próprio e o cálculo da equivalência patrimonial para determinar que os mesmos sejam calculados com base nas normas contábeis existentes em 31 de dezembro de 2007.
 
Essas novas interpretações foram tornadas públicas pela Receita Federal por meio do Parecer PGFN/CAT nº 202, de 7 de fevereiro de 2013, o qual foi contestado de forma unânime por vários especialistas do direito societário e tributário, em artigos publicados no jornal Valor Econômico e no site Conjur.
 
Uma das críticas diz respeito à descabida vinculação entre o pacto contido no RTT e a revogação de parte da isenção dos dividendos. Enquanto o RTT impede que as novas regras contábeis aumentem a carga tributária das empresas, a isenção dos dividendos se destina aos investidores, acionistas das empresas.
 
Conforme os doutrinadores têm apontado, trata-se de dois arcabouços jurídicos totalmente independentes e não conectados. A Lei 11.941 estatui regras relativas à apuração do imposto de renda das pessoas jurídicas. Não há qualquer dispositivo nela que remeta à distribuição de lucros ou dividendos, ou mesmo à Lei 9.249, que regula a regra isentiva.” (grifos do original)
 
É muito bem vinda essa manifestação da representação parlamentar em defesa dos contribuintes. Defesa que não pode ser abandonada em razão do momentâneo recuo das autoridades fiscais. Os contribuintes não podem confiar em, muito menos se contentar com declarações dadas aos jornais. Se a IN 1.397/2013 não for expulsa do ordenamento jurídico, repelida em termos definitivos, amanhã agentes fiscais, com base na sua própria interpretação do alcance da norma, poderão autuar os contribuintes sem dó nem piedade.
 
Urge, pois, a aprovação do projeto de Decreto-legislativo 1.296. Seria uma grande oportunidade de o parlamento dar um basta ao que se tornou um lamentável hábito da administração fiscal: “legislar” por atos administrativos.
 
 
Mas os parlamentares também devem adotar ações preventivas contra outros atropelos jurídicos do Fisco.
 
Uma ação preventiva imediata do Poder Legislativo faz-se necessária, por exemplo, para evitar que se consume a pretensão de tributação das indenizações pagas às concessionárias transmissoras de energia elétrica nos termos das Medidas Provisórias 579/2012 e 591/2012, convertidas na Lei 12.783, de 11 de janeiro de 2013.
 
Com efeito, a Receita Federal já se manifestou em nota à imprensa no sentido de “(...) que sendo a indenização receita decorrente de alteração contratual, não há como escapar ao fato de que estas indenizações devem ser computadas tanto na apuração do lucro real quanto na determinação da base de cálculo da CSLL”.[2]
 
A Lei 12.783/2013 introduziu significativas inovações no regime das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, com vistas a promover uma redução no custo da energia elétrica, antecipando a prorrogação das concessões que venceriam até o fim de 2017 para o início de 2013.
 
No que concerne especificamente às concessões de transmissão, a nova lei modificou a sistemática de cálculo da remuneração das transmissoras (receita anual permitida), eliminando ou reduzindo certos encargos setoriais e autorizou o poder concedente “(...) a pagar, na forma de regulamento, para as concessionárias que optarem pela prorrogação prevista nessa Lei, nas concessões de transmissão de energia elétrica alcançadas pelo parágrafo 5º do artigo 17 da Lei 9.074, de 1995, o valor relativo aos ativos considerados não depreciados existentes em 31 de maio de 2000, registrados pela concessionária e reconhecidos pela Aneel” (artigo 15, parágrafo 2º).
 
Na nova sistemática, apenas os bens reversíveis instalados a partir da prorrogação contratual que serão considerados para fins das remunerações futuras, devendo os bens ainda não amortizados ou não depreciados serem indenizados com base na metodologia de valor novo de reposição (artigo 15, parágrafo 1º).
 
O pagamento a ser realizado pelo poder concedente nos termos do artigo 15 da Lei 12.7813/2013 reveste indiscutivelmente a natureza de indenização, insuscetível de tributação pelo imposto de renda e pela CSLL, por não gerar acréscimo patrimonial para o indenizado, acréscimo esse que é condição exigida pelo artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN) para autorizar a incidência de referidos tributos.
 
Com efeito, a Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que disciplina o regime jurídico das concessões consagra no seu artigo 36 a regra geral da indenização dos investimentos vinculados a bens reversíveis, verbis:
 
“art. 36 - A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido”.
 
Com essa disposição, a lei pretendeu evitar que a prestação dos serviços se deteriore nos últimos anos do prazo da concessão, por falta de investimentos do concessionário[3], já que os bens serão revertidos para o poder concedente, isto é, serão incorporados ao seu patrimônio ao final da concessão em virtude de expressa disposição legal (artigo 35, parágrafo 1º).
 
A indenização que se pretende pagar ao abrigo da nova lei nada mais é que a mesma indenização pagável ao final do prazo dos contratos de concessão no que concerne aos bens reversíveis ainda não amortizados ou depreciados. Na verdade, o que está a suceder é a mera antecipação de uma obrigação do poder concedente que existiria no fim do prazo do contrato.
 
Ora, a indenização pecuniária representa o valor do próprio bem reversível (expurgada a depreciação/amortização) que integrava o patrimônio do concessionário e que foi incorporado ex vi legis, em fenômeno análogo a uma desapropriação.
 
Não está o concessionário experimentando qualquer acréscimo patrimonial com o recebimento do valor em causa. Referido valor pecuniário apenas se sub-roga em seu patrimônio no lugar e na justa medida do valor daquele ativo que lhe pertencia e foi incorporado ao patrimônio do poder concedente.
 
Trata-se de indenização por dano emergente, que consiste no prejuízo causado em direitos previamente existentes na titularidade do lesado. Não tem, pois, por finalidade ressarcir um lucro cessante, que consiste nos prejuízos referentes a direitos que ainda não pertenciam ao lesado na data do fato[4].
 
Essa distinção é muito importante, tendo em vista que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se valido da mesma para fixar o regime tributário das indenizações, considerando tributáveis apenas as indenizações por lucros cessantes (cfr. Ag. Rg. REsp 638.389/SP).
 
Acresce, por fim (e isso é decisivo), que a natureza indenizatória já era reconhecida na sistemática de remuneração das transmissoras anteriormente vigente, que consagrava a neutralidade fiscal da parcela relativa à recuperação do capital investido, calculada com base no Custo Médio Ponderado de Capital (WACC). Isso porque o percentual aplicado sobre o valor a receber era objeto de gross up, isto é, de consideração “por dentro” dos tributos incidentes (IRPJ e CSLL), assegurando, assim, a recuperação dos valores líquidos[5].
 
A mesma neutralidade se experimentava na parcela referente às depreciações e amortizações, tendo em vista a plena dedutibilidade fiscal dos respectivos encargos em matéria de IRPJ e CSLL.
 
Não faz, pois, qualquer sentido, pretender reduzir o valor da indenização a que os concessionários fazem jus pela nova lei com a aplicação de uma tributação que jamais incidiu, justamente em razão do seu caráter indenizatório de danos emergentes, de recomposição patrimonial pela perda dos bens reversíveis.
 
Assegurar por via legislativa a neutralidade fiscal das indenizações no âmbito do setor elétrico seria, portanto, uma providência de justiça tributária do Poder Legislativo muito bem vinda para os contribuintes.
 
 
Os contribuintes contam com o Poder legislativo, seu legítimo representante, para dar um basta às arbitrariedades do Fisco. Basta de legislar por instruções normativas, basta de interpretações ilegais, basta de ameaças pela imprensa. Os contribuintes precisam da segurança das verdadeiras leis tributárias e o Parlamento é quem pode e deve dar um basta aos desmandos do Apparatchik que se tornou a Receita Federal nesse ano repleto de ameaças.
 
[1] Cfr. Valor Econômico de 3/10/2013. (http://www.valor.com.br/legislacao/3292014/receita-nao-cobrara-ir-sobre-dividendosixzz2gf3wbwnq)
[2] Valor Econômico de 3/8/2013 (http://www.valor.com.br/legislacao/3254870/receita-confirma-tributacao-de indenizacoesixzz2djfsoS7S)
[3] Cfr. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 22ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, São Paulo, Malheiros Editores, p. 352.
[4] Cfr. Antunes Varela, Direito das Obrigações (1ª ed.), Rio de Janeiro, 1977, vol. I, 242.
[5] Para maiores desenvolvimentos sobre a matéria, cfr. a excelente monografia de Marcelo Senna Valle Pioto, Os bens reversíveis e a remuneração das transmissoras de energia elétrica, no Curso de Pós-Graduação em Direito da Regulação do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Brasília, 2013.
 
 
Roberto Duque Estrada é advogado no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Sócio do escritório Xavier, Duque Estrada, Emery, Denardi Advogados.